Capa da Playboy

Por Julie Maria

Minha intenção neste artigo é traduzir para a prática o principio da ética personalista: “a pessoa nunca pode ser usada, só pode ser amada”. Para isso vou usar o exemplo da pornografia: este termo deriva do grego πόρνη (pórne), “prostituta” e γραφή (grafé), “representação”. A palavra pornografia é mais antiga que a palavra porno-visão e a inclui, mas irei usar esta última para realçar a imagem, já que seu poder é muito maior (para o bem e para o mal) do que a simples grafia.

Quando uma mulher posa para uma revista pornográfica é uma grande ilusão dizer que ela “aparece” na “capa”, pois na realidade o que acontece é a sua despersonalização total, seu desaparecimento como pessoa. Por que?  Porque a sua foto está ali, com seu nome estampado com letras brilhantes, mas a imagem que se transmite para todos que a vêem é a de um corpo separado de sua pessoa. Isso mesmo: o seu corpo, como se fosse um anexo dela, é exposto ao máximo, mas, por estar separado de sua pessoa se torna um simples objeto. Alma e corpo formam uma unidade que, se for separada, destrói o que é plenamente humano.

Escutamos várias vezes o conceito “objeto de prazer”, mas é um termo mais profundo do que estamos acostumados a pensar. Usar o corpo separado da totalidade da pessoa (alma e corpo unidos) é de fato usá-la como “objeto”. Isso é claro na indústria pornográfica: toda a intenção é fazer com que ela seja sexualmente desejada, tornando-se uma prostituta (de revista ou de internet) para “quem quiser”. Forte né? Mas nem o cenário chique nem a maquiagem deslumbrante fazem com que a mulher da capa da Playboy deixe de ser “objeto de uso”. Como escreve C. West “Louve a Deus! A beleza real do homem e da mulher de verdade é muito mais gratificante e gloriosa do que as imagens retocadas por computador do meio pornográfico(Good news about sex and marriage, pg. 85)

 Mas um objeto pode ser usado para vários usos. Para qual “uso” irá servir a imagem deste corpo separado da totalidade da pessoa? Para a masturbação. Este ato é literalmente o oposto ao doar-se livremente e conscientemente a outra pessoa: plenitude da nossa existência.

Ora, contemplar a arte de nu artístico de Michelangelo da Capela Sistina não gera no homem o desejo de se masturbar, mas as fotos da revista Playboy sim. São feitas com esta intenção. São feitas para transformar homens em bestas, quando toda a educação do amor é para fazer, do homem e da mulher, imagem daquela Comunhão Eterna de Amor que os criou.

 Não é a toa que a indústria pornográfica arrecada US$ 3 milhões a cada segundo. Ela quer tapear com o lixo a profunda sede de amor que todos nós temos e que só pode ser saciada num Banquete. Por que não podemos saciá-la no lixo? Porque não somos animais que agem e se contentam com o instinto. Somos feitos varão e mulher, seres sexuados por natureza: “esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne.”( Gn 2, 22) A sede de amar e ser amado está estampado em nós, nas “duas versões” criadas – masculino e feminino – e a união de uma só carne é criada para que o homem e a mulher possam se entregar num amor total, livre, fiel e fecundo.

Isso mesmo! A “união de uma só carne” está chamada desde o princípio (Mt 19, 5) a ser união de duas pessoas, um homem e uma mulher, que pelas promessas sacramentais do Matrimônio, já são um do outroaté a morte, e expressam esta entrega na intimidade do ato conjugal, fazendo-o refletir o significado mais profundo do corpo humano, o significado esponsal: “o poder de expressar amor, precisamente aquele amor no qual a pessoa se torna dom, e  por meio deste dom, realiza o pleno sentido da sua existência.” (Audiência João Paulo II 16.1.80)

Parece abstrato demais o que o Papa fala? Voltamos a nossa análise da porno-visão.

Como alguém  a mulher da capa, isto é, uma pessoa   pode se tornar “dom” para o “outro” se este “outro” é um anônimo para ela e vice versa? Dom recíproco implica intimidade, isto é, implica conhecer a interioridade da pessoa, pois é ali onde ela se torna um sujeito, com nome, história, e futuro. A porn-visãoviola a profunda inscrição do significado do corpo porque torna propriedade pública aquele laço da comunhão de pessoas que pertence estritamente a uma relação inter-pessoal (Cf. Audiência do João Paulo II, 29 de Abril de 1981)

Por isso, longe de “orgulho” o sentimento que devia sentir uma pobre mulher sendo usada como objeto, é dor. Nós mulheres não queremos ser usadas, queremos ser a-m-a-d-a-s. Não precisamos de uma investigação cientifica para reconhecer que a mulher, lá no fundo do seu coração, deseja que o “seu” homem, seu esposo, aquele que deu a vida por ela no altar, a veja nua por “inteira”, isto é, veja que seu corpo e seu interior são uma coisa só: o corpo revela uma beleza e um valor que transcende o puramente físico (Audiência João Paulo II, 16.1.80). Mas… para ver o corpo desta forma precisamos de um virtude tão esquecida e tão atacada, porque acham ser impossível vivê-la: a pureza!

Mas se o máximo sonhado por uma mulher é ser capa de uma revista pela qual ela será abusada sexualmente, então de fato ela precisa – urgente – de uma nova visão! E se o homem acha que satisfazendo seu desejo carnal do momento, poderá satisfazer a sua sede de ser amado, ele também precisa de uma nova visão! Ela e ele precisam descobrir que são criados para mais, para muito mais! Que ela e ele são dignos somente de serem amados “em toda a sua pessoa” (corpo e alma!) e nunca, jamais, serem “usados como objeto”! E amados a tal ponto que as palavras “você é só minha” e “eu sou só sua” tenham o peso da verdade por aqueles que a pronunciam, e que não sejam palavras vazias, que nem pela repetição, se tornam verdadeiras.