1. No contexto da doutrina contida na Encíclica Humanae vitae, pretendemos fazer um esboço da espiritualidade conjugal. Na vida espiritual dos cônjuges, operam também os dons do Espírito Santo e, em particular, o donum pietatis, isto é, o dom do respeito por aquilo que é obra de Deus.
2. Este dom, unido ao amor e à castidade, ajuda a identificar, no conjunto da convivência conjugal, aquele ato, em que, pelo menos potencialmente, o significado esponsal do corpo se une ao significado procriador. Leva a compreender, entre as possíveis “manifestações de afeto”, o significado singular, aliás, excepcional daquele ato: a sua dignidade e a conseqüente grave responsabilidade a ele inerente. Portanto, a antítese da espiritualidade conjugal é constituída, em certo sentido, pela subjetiva falta de tal compreensão, ligada à prática e à mentalidade anticoncepcionais. Além de tudo isto, é um enorme dano sob o ponto de vista da cultura interior do homem. A virtude da castidade conjugal e, ainda mais, o dom do respeito por aquilo que vem de Deus, modelam a espiritualidade dos cônjuges a fim de proteger a particular dignidade deste ato, desta “manifestação de afeto”, em que a verdade da “linguagem do corpo” só pode ser expressa salvaguardando a potencialidade procriadora.
A paternidade e a maternidade responsáveis significam a espiritual avaliação —conforme à verdade— do ato conjugal na consciência e na vontade de ambos os cônjuges, que nesta “manifestação de afeto”, depois de terem considerado as circunstâncias interiores e exteriores, em particular as biológicas, exprimem a sua madura disponibilidade para a paternidade e a maternidade.
3. O respeito pela obra de Deus contribui para fazer com que o ato conjugal não seja desvalorizado nem privado da interioridade no conjunto da convivência conjugal —que não se torne “hábito”— e que nele se exprima uma adequada plenitude de conteúdos pessoais e éticos, e também de conteúdos religiosos, isto é, a veneração à majestade do Criador, único e último depositário da fonte da vida, e ao amor esponsal do Redentor. Tudo isto cria e alarga, por assim dizer, o espaço interior da mútua liberdade do dom, em que se manifesta plenamente o significado esponsal da masculinidade e da feminilidade.
O obstáculo a esta liberdade é apresentado pela interior construção da concupiscência, dirigida para o outro “eu” como objeto de prazer. O respeito por aquilo que é criado por Deus liberta desta constrição, liberta de tudo o que reduz o outro “eu” a mero objeto: corrobora a liberdade interior do dom.
4. Isto só se pode realizar madiante uma profunda compreensão da dignidade pessoal, quer do “eu” feminino, quer do masculino, na recíproca convivência. Tal compreensão espiritual é o fruto fundamental do dom do Espírito que impele a pessoa a respeitar a obra de Deus. De tal compreensão e, por conseguinte, indiretamente, daquele dom, adquirem o verdadeiro significado esponsal todas as “manifestações afetivas”, que constituem a trama do perdurar da união conjugal. Esta união exprime-se mediante o ato conjugal só em circunstâncias determinadas, mas pode e deve manifestar-se continuamente, todos os dias, mediante várias “manifestações afetivas”, as quais são determinadas pela capacidade de uma “desinteressada” emoção do “eu” em relação à feminilidade e —reciprocamente— em relação à masculinidade.
A atitude de respeito pela obra de Deus, que o Espírito suscita nos cônjuges, tem um enorme significado para aquelas “manifestações afetivas”, porque, a par e passo com ele, procede a capacidade da profunda satisfação, da admiração, da desinteressada atenção à “visível” e, ao mesmo tempo, “invisível” beleza da feminilidade e da masculinidade, e, por fim, um profundo apreço pelo dom desinteressado do “outro”.
5. Tudo isto determina a identificação espiritual do que é masculino ou feminino, do que é “corpóreo” e, ao mesmo tempo, pessoal. Desta espiritual identificação emerge a consciência da união “mediante o corpo”, na tutela da liberdade interior do dom. Mediante as “manifestações afetivas” os cônjuges ajudam-se reciprocamente a perdurar na união e, ao mesmo tempo, estas “manifestações” protegem em cada um aquela “paz do íntimo” que é, em certo sentido, a ressonância interior da castidade guiada pelo dom do respeito por aquilo que é criado por Deus.
Este dom comporta uma profunda e universal atenção à pessoa, na sua masculinidade e na sua feminilidade, criando, assim, o clima interior idôneo para a comunhão pessoal. Só neste clima de comunhão pessoal dos cônjuges amadurece corretamente aquela procriação que qualificamos como “responsável”.
6. A Encíclica Humanae vitae permite-nos fazer um esboço da espiritualidade conjugal. Este é o clima humano e sobrenatural em que —tendo em conta a ordem “biológica” e, contemporaneamente, com base na castidade sustentada pelo donum pietatis— se plasma a interior harmonia do matrimônio, no respeito por aquilo a que a Encíclica chama “dúplice significado do ato conjugal”i. Esta harmonia significa que os cônjuges convivem juntos na interior verdade da “linguagem do corpo”. A Encíclica Humanae vitae proclama que é inseparável a conexão entre esta “verdade” e o amor.
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iHumanae vitae, 12.