128ª. Os dons do Espírito Santo na vida dos esposos – 21/11/1984

1. No contexto da doutrina contida na Encíclica Humanae vitae, pretendemos fazer um esboço da espiritualidade conjugal. Na vida espiritual dos cônjuges, operam também os dons do Espírito Santo e, em particular, o donum pietatis, isto é, o dom do respeito por aquilo que é obra de Deus.

2. Este dom, unido ao amor e à castidade, ajuda a identificar, no conjunto da convivência conjugal, aquele ato, em que, pelo menos potencialmente, o significado esponsal do corpo se une ao significado procriador. Leva a compreender, entre as possíveis “manifestações de afeto”, o significado singular, aliás, excepcional daquele ato: a sua dignidade e a conseqüente grave responsabilidade a ele inerente. Portanto, a antítese da espiritualidade conjugal é constituída, em certo sentido, pela subjetiva falta de tal compreensão, ligada à prática e à mentalidade anticoncepcionais. Além de tudo isto, é um enorme dano sob o ponto de vista da cultura interior do homem. A virtude da castidade conjugal e, ainda mais, o dom do respeito por aquilo que vem de Deus, modelam a espiritualidade dos cônjuges a fim de proteger a particular dignidade deste ato, desta “manifestação de afeto”, em que a verdade da “linguagem do corpo” só pode ser expressa salvaguardando a potencialidade procriadora.

A paternidade e a maternidade responsáveis significam a espiritual avaliação —conforme à verdade— do ato conjugal na consciência e na vontade de ambos os cônjuges, que nesta “manifestação de afeto”, depois de terem considerado as circunstâncias interiores e exteriores, em particular as biológicas, exprimem a sua madura disponibilidade para a paternidade e a maternidade.

3. O respeito pela obra de Deus contribui para fazer com que o ato conjugal não seja desvalorizado nem privado da interioridade no conjunto da convivência conjugal —que não se torne “hábito”— e que nele se exprima uma adequada plenitude de conteúdos pessoais e éticos, e também de conteúdos religiosos, isto é, a veneração à majestade do Criador, único e último depositário da fonte da vida, e ao amor esponsal do Redentor. Tudo isto cria e alarga, por assim dizer, o espaço interior da mútua liberdade do dom, em que se manifesta plenamente o significado esponsal da masculinidade e da feminilidade.

O obstáculo a esta liberdade é apresentado pela interior construção da concupiscência, dirigida para o outro “eu” como objeto de prazer. O respeito por aquilo que é criado por Deus liberta desta constrição, liberta de tudo o que reduz o outro “eu” a mero objeto: corrobora a liberdade interior do dom.

4. Isto só se pode realizar madiante uma profunda compreensão da dignidade pessoal, quer do “eu” feminino, quer do masculino, na recíproca convivência. Tal compreensão espiritual é o fruto fundamental do dom do Espírito que impele a pessoa a respeitar a obra de Deus. De tal compreensão e, por conseguinte, indiretamente, daquele dom, adquirem o verdadeiro significado esponsal todas as “manifestações afetivas”, que constituem a trama do perdurar da união conjugal. Esta união exprime-se mediante o ato conjugal só em circunstâncias determinadas, mas pode e deve manifestar-se continuamente, todos os dias, mediante várias “manifestações afetivas”, as quais são determinadas pela capacidade de uma “desinteressada” emoção do “eu” em relação à feminilidade e —reciprocamente— em relação à masculinidade.

A atitude de respeito pela obra de Deus, que o Espírito suscita nos cônjuges, tem um enorme significado para aquelas “manifestações afetivas”, porque, a par e passo com ele, procede a capacidade da profunda satisfação, da admiração, da desinteressada atenção à “visível” e, ao mesmo tempo, “invisível” beleza da feminilidade e da masculinidade, e, por fim, um profundo apreço pelo dom desinteressado do “outro”.

5. Tudo isto determina a identificação espiritual do que é masculino ou feminino, do que é “corpóreo” e, ao mesmo tempo, pessoal. Desta espiritual identificação emerge a consciência da união “mediante o corpo”, na tutela da liberdade interior do dom. Mediante as “manifestações afetivas” os cônjuges ajudam-se reciprocamente a perdurar na união e, ao mesmo tempo, estas “manifestações” protegem em cada um aquela “paz do íntimo” que é, em certo sentido, a ressonância interior da castidade guiada pelo dom do respeito por aquilo que é criado por Deus.

Este dom comporta uma profunda e universal atenção à pessoa, na sua masculinidade e na sua feminilidade, criando, assim, o clima interior idôneo para a comunhão pessoal. Só neste clima de comunhão pessoal dos cônjuges amadurece corretamente aquela procriação que qualificamos como “responsável”.

6. A Encíclica Humanae vitae permite-nos fazer um esboço da espiritualidade conjugal. Este é o clima humano e sobrenatural em que —tendo em conta a ordem “biológica” e, contemporaneamente, com base na castidade sustentada pelo donum pietatis— se plasma a interior harmonia do matrimônio, no respeito por aquilo a que a Encíclica chama “dúplice significado do ato conjugal”i. Esta harmonia significa que os cônjuges convivem juntos na interior verdade da “linguagem do corpo”. A Encíclica Humanae vitae proclama que é inseparável a conexão entre esta “verdade” e o amor.

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iHumanae vitae, 12.