126ª. A continência conjugal – 07/11/1984

1. Prosseguimos a análise da virtude da continência à luz da doutrina contida na Encíclica Humanae vitae.

Convém recordar que os grandes clássicos do pensamento ético (e antropológico), quer pré-cristãos, quer cristãos (Tomás de Aquino), vêem na virtude da continência não só a capacidade de “conter” as reações corporais e sensuais, mas, ainda mais, a capacidade de controlar e guiar toda a esfera sensual e emotiva do homem. No caso em questão, trata-se da capacidade de dirigir quer a linha da excitação para o seu correto desenvolvimento, quer também a linha da emoção mesma, orientando-a para o aprofundamento e a intensificação interior do seu caráter “puro” e, em certo sentido, “desinteressado”.

2. Esta diferenciação entre a linha da excitação e a linha da emoção não é uma antítese. Não significa que o ato conjugal, como um efeito da excitação, não implique ao mesmo tempo uma profunda comoção emocional pela outra pessoa. Certamente é assim; ou, de qualquer maneira, não deveria ser de outro modo.

No ato conjugal, a união íntima deveria trazer consigo uma particular intensificação da emoção, ou mais ainda, a profunda comoção emocional, pela outra pessoa. Isto está contido também na Epístola aos Efésios, sob a forma de exortação, dirigida aos cônjuges: “Sujeitai-vos uns aos outros no temor de Cristo”i.

A distinção entre “excitação” e “emoção” salientada nesta análise, comprova apenas a subjetiva riqueza reativo-emotiva do “eu” humano; esta riqueza exclui qualquer redução unilateral e faz com que a virtude da continência possa ser praticada como capacidade de dirigir o manifestar-se quer da excitação quer da emoção, suscitadas pela recíproca reatividade da masculinidade e da feminilidade.

3. A virtude da continência, assim entendida, cumpre um papel essencial na manutenção do equilíbrio interior entre os dois significados, o unitivo e o procriadorii, em vista de uma paternidade e maternidade verdadeiramente responsáveis.

A Encíclica Humanae vitae dedica a devida atenção ao aspecto biológico do problema, quer dizer, ao caráter rítmico da fecundidade humana. Embora tal “periodicidade” possa ser chamada, à luz da Encíclica, índice providencial para uma paternidade e uma maternidade responsáveis, todavia não é só a este nível que se resolve um problema como este, que tem um significado tão profundamente personalístico e sacramental (teológico).

A Encíclica ensina a paternidade e a maternidade responsáveis “como prova de um amor conjugal maduro” —e, portanto, contém não só a resposta ao interrogativo concreto que se põe no âmbito da ética da vida conjugal, mas, como já foi dito, indica também um plano da espiritualidade conjugal que desejamos pelo menos delinear.

4. O correto modo de entender e praticar a continência periódica como virtude (ou seja, segundo a Humanae vitae, n. 21, o “domínio de si mesmo”) decide ainda essencialmente a “naturalidade” do método, denominado também ele “método natural”: esta é “naturalidade” a nível da pessoa. Não se pode, portanto, pensar numa aplicação mecânica das leis biológicas. O conhecimento mesmo dos “ritmos de fecundidade” —embora indispensável— não cria ainda aquela liberdade interior do dom, que é de natureza explicitamente espiritual e depende da maturidade do homem interior. Esta liberdade supõe tal capacidade de dirigir as reações sensuais e emotivas, que torna possível a doação de si ao outro “eu” com base na posse amadurecida do próprio “eu” na sua subjetividade corpórea e emotiva.

5. Como se sabe pelas análises bíblicas e teológicas feitas precedendemente, o corpo humano, na sua masculinidade e feminilidade, é interiormente ordenado para a comunhão das pessoas (communio personarum). Nisto consiste o seu significado esponsal.

Precisamente o significado esponsal do corpo foi deformado, quase nas suas mesmas bases, pela concupiscência (em particular, pela concupiscência da carne, no âmbito da “tríplice concupiscência”). A virtude da continência na, sua forma amadurecida, revela gradualmente o aspecto “puro” do significado esponsal do corpo. Deste modo, a continência desenvolve a comunhão pessoal do homem e da mulher, comunhão que não está em condições de se formar e de se desenvolver na plena verdade das suas possibilidades unicamente no terreno da concupiscência. Exatamente isto afirma a Encíclica Humanae vitae. Tal verdade tem dois aspectos: o personalístico e o teológico.

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iEf 5, 21.

ii Cf. Humanae vitae, 12.