1. Qual é a essência da doutrina da Igreja acerca da transmissão da vida na comunidade conjugal, daquela doutrina que nos foi recordada pela Constituição pastoral do Concílio Gaudium et spes e pela Encíclica Humanae vitae do Papa Paulo VI?
O problema consiste em manter a adequada relação entre o que é definido “domínio… das forças da natureza“i e o “domínio de si“ii indispensável à pessoa humana. O homem contemporâneo manifesta a tendência de transferir os métodos próprios do primeiro âmbito para os do segundo. “O homem fez progressos admiráveis no domínio e na organização racional das forças da natureza —lemos na Encíclica—, de tal maneira que tende a tornar extensivo esse domínio ao seu próprio ser global: ao corpo, à vida psíquica e até mesmo às leis que regulam a transmissão da vida”iii.
Tal extensão da esfera dos meios de “domínio… das forças da natureza”, ameaça a pessoa humana, para a qual o método do “domínio de si mesma” é e permanece específico. Ele —o domínio de si—, de fato, corresponde à constituição fundamental da pessoa: é precisamente um método “natural”. Pelo contrário, a transposição dos “meios artificiais” infringe a dimensão constitutiva da pessoa, priva o homem da subjetividade que lhe é própria e torna-o um objeto de manipulação.
2. O corpo humano não é apenas o campo de reações de caráter sexual, mas é, ao mesmo tempo, o meio de expressão do homem integral, da pessoa, que se revela a si mesma através da “linguagem do corpo”. Esta “linguagem” tem um importante significado interpessoal, de modo especial quando se trata das relações recíprocas entre o homem e a mulher. Além disso, as nossas análises precedentes mostram que, neste caso, a “linguagem do corpo” deve exprimir, num determinado nível, a verdade do sacramento. Participando no eterno Plano de Amor (“Sacramentum absconditum in Deo“), a “linguagem do corpo” torna-se, de fato, quase um “profetismo do corpo”.
Pode-se dizer que a Encíclica Humanae vitae leva às extremas conseqüências, não só lógicas e morais, mas também práticas e pastorais, esta verdade sobre o corpo humano na sua masculinidade e feminilidade.
3. A unidade dos dois aspectos do problema —da dimensão sacramental (ou seja, teológica) e da dimensão personalística— corresponde à global “revelação do corpo”. Daqui, deriva também a conexão da visão estritamente teológica com a visão ética, que procede da “lei natural”.
O sujeito da lei natural é, de fato, o homem não só no aspecto “natural” da sua existência, mas também na verdade integral da sua subjetividade pessoal. Ele se nos manifesta na Revelação, como varão e mulher, na sua plena vocação temporal e escatológica. É chamado por Deus a ser testemunha e intérprete do eterno desígnio do Amor, tornando-se ministro do sacramento, que “ao início” é constituído no sinal da “união da carne”.
4. Como ministros de um sacramento que se constitui mediante o consenso e se aperfeiçoa mediante a união conjugal, o homem e a mulher são chamados a exprimir aquela misteriosa “linguagem” dos seus corpos em toda a verdade que lhe é própria. Por meio dos gestos e das reações, por meio de todo o dinamismo, reciprocamente condicionado, da tensão e do prazer —cuja fonte direta é o corpo na sua masculinidade e feminilidade, o corpo na sua ação e interação—, através de tudo isto “fala” o homem, a pessoa.
O homem e a mulher conduzem na “linguagem do corpo” aquele diálogo que —segundo o Gênesis 2, 24-25— teve início no dia da criação. E, precisamente, ao nível desta “linguagem do corpo” —que é algo mais do que a exclusiva reatividade sexual e que, como autêntica linguagem das pessoas, está subordinada às exigências da verdade, isto é, a normas morais objetivas— o homem e a mulher exprimem-se reciprocamente a si mesmos no modo mais pleno e mais profundo, no que lhes é consentido pela mesma dimensão somática da masculinidade e da feminilidade: o homem e a mulher exprimem-se a si mesmos na medida de toda a verdade da sua pessoa.
5. O homem é pessoa precisamente porque é senhor de si e se domina a si mesmo. De fato, sendo senhor de si mesmo pode “dar-se” ao outro. E é esta dimensão —dimensão da liberdade do dom— que se torna essencial e decisiva para aquela “linguagem do corpo”, em que o homem e a mulher se exprimem reciprocamente na união conjugal. Dado que esta é comunhão de pessoas, a “linguagem do corpo” deve ser considerada segundo o critério da verdade. Precisamente este critério é recordado pela Encíclica Humanae vitae, como confirmam as passagens citadas antes.
6. Segundo o critério desta verdade, que deve exprimir-se na “linguagem do corpo”, o ato conjugal “significa” não só o amor, mas também a fecundidade potencial e, portanto, não pode ser privado do seu pleno e adequado significado mediante intervenções artificiais. No ato conjugal não é lícito separar artificialmente o significado unitivo do significado procriador, porque ambos pertencem à verdade íntima do ato conjugal: realizam-se juntamente um com o outro e, em certo sentido, através um do outro. Assim ensina a Encíclicaiv. Por conseguinte, neste caso o ato conjugal destituído da sua verdade interior, porque privado artificialmente da sua capacidade procriadora, deixa também de ser ato de amor.
7. Pode-se dizer que no caso de uma separação artificial destes dois significados, no ato conjugal realiza-se uma real união corpórea, mas ela não corresponde à verdade interior nem à dignidade da comunhão pessoal: communio personarum. Tal comunhão exige, de fato, que a “linguagem do corpo” seja expressa reciprocamente na verdade integral do seu significado. Se faltar esta verdade, não se pode falar nem da verdade do domínio de si, nem da verdade do dom recíproco e da recíproca aceitação de si por parte da pessoa. Tal violação da ordem interior da comunhão conjugal, que aprofunda as suas raízes na ordem mesma da pessoa, constitui o mal essencial do ato contraceptivo.
8. A interpretação acima referida da doutrina moral, exposta na Encíclica Humanae vitae, situa-se no vasto quadro das reflexões relativas à teologia do corpo. Especialmente válidas para esta interpretação são as reflexões sobre o tema da “concupiscência da carne”.
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iHumanae vitae, 2.
iiHumanae vitae, 21.
iiiHumanae vitae, 2.
iv Cf. Humanae vitae, 12.