1. Já dissemos precedentemente que o princípio da moral conjugal ensinado pela Igreja (Concílio Vaticano II, Paulo VI), é o critério da fidelidade ao plano divino.
Em conformidade com este princípio da Encíclica Humanae vitae distingue rigorosamente entre o que constitui o modo moralmente ilícito da regulação dos nascimentos ou, com mais precisão, da regulação da fertilidade, e o que é moralmente reto.
Em primeiro lugar, é moralmente ilícita “a interrupção direta do processo generativo já iniciado” (“aborto”)i, a “esterilização direta” e “toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação”ii, por conseguinte, todos os meios anticoncepcionais. É moralmente lícito, pelo contrário, “o recurso aos períodos infecundos“iii. “Se, portanto, existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos infecundos e, deste modo, regular a natalidade, sem ofender os princípios morais…”iv.
2. A Encíclica acentua, de modo particular, que “entre os dois casos existe uma diferença essencial”v, ou seja, uma diferença de natureza ética: “no primeiro, os cônjuges usufruem legitimamente de uma disposição natural; enquanto que no segundo, eles impedem o desenvolvimento dos processos naturais”vi.
Resultam, daqui, duas ações com qualificação ética diversa, aliás, até mesmo oposta: a regulação natural da fertilidade é moralmente reta, a contracepção não é moralmente reta. Esta diferença essencial entre as duas ações (modos de agir) refere-se à sua intrínseca qualificação ética, embora o meu Predecessor Paulo VI afirme que “em ambos os casos os cônjuges estão de acordo na vontade positiva de evitar a prole, por razões plausíveis“, e até escreva: “procurando ter a segurança de que ela não virá”vii. Nestas palavras, o documento admite que, embora também aqueles que fazem uso dos meios anticoncepcionais possam ser inspirados por “razões plausíveis”, todavia isto não muda a qualificação moral que se funda na estrutura mesma do ato conjugal como tal.
3. Poder-se-ia observar, neste ponto, que os cônjuges, que recorrem à regulação natural da fertilidade, poderiam não ter os motivos válidos, de que antes se falou; isto, porém, constitui um problema ético à parte, quando se trata do sentido moral da “paternidade e maternidade responsáveis”.
Supondo que as razões para decidir não procriar sejam moralmente retas, subsiste o problema moral do modo de agir neste caso, e isto exprime-se num ato que —segundo a doutrina da Igreja transmitida na Encíclica— possui uma sua intrínseca qualificação moral positiva ou negativa. A primeira, positiva, corresponde à regulação “natural” da fertilidade; a segunda, negativa, corresponde à “regulação artificial”.
4. Toda a precedente dissertação resume-se na exposição da doutrina contida na Humanae vitae, salientando-lhe o caráter normativo e, ao mesmo tempo, pastoral. Na dimensão normativa, trata-se de precisar e esclarecer os princípios morais do agir; na dimensão pastoral, trata-se, sobretudo, de explicar a possibilidade de agir segundo estes princípios (“possibilidade da observância da lei divina”)viii.
Devemos deter-nos na interpretação do conteúdo da Encíclica. Para este fim, é preciso ver aquele conteúdo, aquele conjunto normativo-pastoral à luz da teologia do corpo, como ela emerge da análise dos textos bíblicos.
5. A teologia do corpo não é tanto uma teoria quanto, antes, uma pedagogia do corpo específica, evangélica e cristã. Isto deriva do caráter da Bíblia e, sobretudo, do Evangelho que, como mensagem salfívica, revela o que é o verdadeiro bem do homem, a fim de modelar —à medida deste bem— a vida sobre a terra na perspectiva da esperança na vida futura.
A Encíclica Humanae vitae, segundo esta diretriz, responde ao quesito sobre o verdadeiro bem do homem como pessoa, como varão e mulher, sobre o que corresponde à dignidade do homem e da mulher, quando se trata do importante problema da transmissão da vida na convivência conjugal.
A este problema dedicaremos ulteriores reflexões.
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iHumanae vitae, 14.
iiHumanae vitae, 14.
iiiHumanae vitae, 16.
ivHumanae vitae, 16.
vHumanae vitae, 16.
viHumanae vitae, 16.
viiHumanae vitae, 16.
viiiHumanae vitae, 20.