1. “Eu,… recebo-te, …, como minha esposa”; “eu, …, recebo-te, …, como meu esposo” —estas palavras estão no centro da liturgia do matrimônio como sacramento da Igreja. Estas palavras são pronunciadas pelos noivos inserindo-as na seguinte fórmula do consentimento: “… prometo ser-te sempre fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias da minha vida”. Com estas palavras, os noivos contraem o matrimônio e, ao mesmo tempo, recebem-no como sacramento, de que ambos são ministros. Ambos, homem e mulher, administram o sacramento. Fazem-no diante das testemunhas. Testemunha qualificada é o sacerdote, que, ao mesmo tempo, abençoa o matrimônio e preside toda a liturgia do sacramento. Além disso, são testemunhas, em certo sentido, todos os participantes no rito das núpcias, e de modo “oficial” alguns deles (de costume dois), convidados propositadamente. Eles devem testemunhas que o matrimônio é contraído diante de Deus e confirmado pela Igreja. Na ordem normal das coisas, o matrimônio sacramental é um ato público, mediante o qual duas pessoas, um homem e uma mulher, se tornam perante a sociedade da Igreja marido e mulher, isto é, sujeito atual da vocação e da vida matrimonial.
2. O matrimônio como sacramento é contraído mediante a palavra, que é sinal sacramental em virtude do seu conteúdo: “Recebo-te como minha esposa —como meu esposo— e prometo ser-te sempre fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias da minha vida”. Todavia, esta palavra sacramental é, de per si, apenas o sinal da atuação do matrimônio. E a atuação do matrimônio distingue-se da sua consumação a tal ponto que, sem esta consumação, o matrimônio não está ainda constituído na sua plena realidade. A constatação de que o matrimônio foi juridicamente contraído mas não consumado (ratum – non consummatum), corresponde à constatação de que não foi constituído plenamente como matrimônio. De fato, as próprias palavras “Recebo-te como minha esposa —meu esposo” referem-se não só a uma realidade determinada, mas podem ser satisfeitas apenas através da cópula conjugal. Tal realidade (a cópula conjugal) é, além disso, definida desde o princípio por instituição do Criador: “O homem deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne”i.
3. Assim, pois, das palavras, com que o homem e a mulher exprimem a sua disponibilidade para se tornarem “uma só carne”, segundo a eterna verdade estabelecida no mistério da criação, passamos a realidade que corresponde a estas palavras. Ambos os elementos são importantes em relação à estrutura do sinal sacramental, a que é conveniente dedicar a continuação das presentes considerações. Dado que o sacramento é o sinal mediante o qual se exprime e, ao mesmo tempo, se atua a realidade salvífica da graça e da Aliança, é necessário considerá-lo agora sob o aspecto do sinal, enquanto as precedentes reflexões foram dedicadas à realidade da graça e da Aliança.
O matrimônio, como sacramento da Igreja, é contraído mediante as palavras dos ministros, isto é, dos novos esposos: palavras que significam e indicam, na ordem intencional, o que (ou melhor: quem) ambos decidiram ser, dali por diante, um para o outro e estar com o outro. As palavras dos novos esposos fazem parte da estrutura integral do sinal sacramental, não só por aquilo que significam, mas, em certo sentido, também com aquilo que significam e determinam. O sinal sacramental constitui-se na ordem intencional, enquanto é contemporaneamente constituído na ordem real.
4. Por conseguinte, o sinal do sacramento do matrimônio é constituído mediante as palavras dos novos esposos, dado que a elas corresponde a “realidade” que eles mesmos constituem. Ambos, como homem e mulher, sendo ministros do sacramento no momento de contrair o matrimônio, constituem, ao mesmo tempo, o pleno e real sinal visível do sacramento mesmo.
As palavras por eles pronunciadas não constituiriam de per si o sinal sacramental do matrimônio, se não lhes correspondesse a subjetividade humana do noivo e da noiva e contemporaneamente a consciência do corpo, ligada à masculinidade e à feminilidade do esposo e da esposa. Aqui é necessário reevocar toda a série das análises relativas ao Livro do Gênesisii, realizadas anteriormente. A estrutura do sinal sacramental, de fato, permanece na sua essência a mesma que “ao princípio”. Determina-a, em certo sentido, “a linguagem do corpo“, enquanto o homem e a mulher, que, mediante o matrimônio, devem tornar-se uma só carne, exprimem neste sinal o recíproco dom da masculinidade e da feminilidade, como fundamento da união conjugal das pessoas.
5. O sinal do sacramento do matrimônio é constituído pelo fato de que as palavras pronunciadas pelos novos esposos tornam a mesma “linguagem do corpo” como no “princípio”, e em todo o caso dão-lhe uma expressão concreta e irrepetível. Dão-lhe uma expressão intencional no plano do intelecto e da vontade, da consciência e do coração. As palavras “Eu te recebo como minha esposa —como meu esposo” contêm em si precisamente aquela perene, e sempre única e irrepetível, “linguagem do corpo” e, ao mesmo tempo, colocam-na no contexto da comunhão das pessoas: “Prometo ser-te sempre fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias da minha vida”. Deste modo, a perene e sempre nova “linguagem do corpo” é não só o “substrato” mas, em certo sentido, o conteúdo constitutivo da comunhão das pessoas. As pessoas —homem e mulher— tornam-se aquele dom na sua masculinidade e feminilidade, descobrindo o significado esponsal do corpo e referindo-o reciprocamente a si mesmas de modo irreversível: na dimensão de toda a vida.
6. Assim, o sacramento do matrimônio como sinal permite compreender as palavras dos novos esposos, palavras que dão um novo aspecto à sua vida na dimensão estritamente pessoal (e interpessoal: communio personarum), na base da “linguagem do corpo”. A administração do sacramento consiste nisto: que no momento de contrair o matrimônio, o homem e a mulher, com as palavras adequadas e na releitura da perene “linguagem do corpo”, formam um sinal, um sinal irrepetível, que tem igualmente um significado perspectivo: “todos os dias da minha vida”, ou seja, até à morte. Este é sinal visível e eficaz da aliança com Deus em Cristo, isto é, da graça, que em tal sinal deve tornar-se parte deles, como “próprio dom” (segundo a expressão da Primeira Epístola aos Coríntios 7, 7).
7. Formulando a questão em categorias sócio-jurídicas, pode-se dizer que entre os novos esposos é estipulado um pacto conjugal de conteúdo bem determinado. Pode-se dizer, além disso, que, em conseqüência deste pacto, eles se tornaram esposos de modo socialmente reconhecido e que deste modo está também constituída no seu germe a família como fundamental célula social. Tal modo de entender é obviamente concorde com a realidade humana do matrimônio, melhor, é fundamental também no sentido religioso e religioso-moral. Todavia, do ponto de vista da teologia do sacramento, a chave para compreender o matrimônio permanece a realidade do sinal com que o matrimônio é constituído com base na aliança do homem com Deus em Cristo e na Igreja: é constituído na ordem sobrenatural do vínculo sagrado que exige a graça. Nesta ordem, o matrimônio é um sinal visível e eficaz. Originado pelo mistério da criação, ele haure a sua nova origem do mistério da Redenção, servindo para a “união dos filhos de Deus na verdade e na caridade”iii. A liturgia do sacramento do matrimônio dá forma àquele sinal: diretamente, durante o rito sacramental, com base no conjunto das suas eloqüentes expressões; indiretamente, no espaço de toda a vida. O homem e a mulher, como cônjuges, trazem este sinal em toda a sua vida e permanecem aquele sinal até à morte.
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iGn 2, 24.
ii Cf. Gn 1; 2.
iiiGaudium et spes, 24.