1. Na quarta-feira passada, falamos da herança integral da Aliança com Deus, e da graça unida originariamente à obra divina da criação. Desta herança integral —como convém deduzir do texto da Epístola aos Efésios 5, 22-33— fazia parte também o matrimônio, como sacramento primordial, instituído desde o “princípio” e ligado com o sacramento da criação na sua globalidade. A sacramentalidade do matrimônio não é apenas modelo e figura do sacramento da Igreja (de Cristo e da Igreja), mas constitui também parte essencial da nova herança: a do Sacramento da Redenção, de que a Igreja é gratificada em Cristo. É necessário, aqui, voltar ainda uma vez às palavras de Cristo em Mateus 19, 3-9i, com as quais Cristo, ao responder à pergunta dos fariseus sobre o matrimônio e o seu caráter específico, se refere apenas e exclusivamente à instituição originária do mesmo por parte do Criador no “princípio”. Refletindo sobre o significado desta resposta à luz da Epístola aos Efésios, e em particular de Ef 5, 22-33, chegamos a uma relação em certo sentido dúplice do matrimônio com toda a ordem sacramental que, na Nova Aliança, emerge do mesmo Sacramento da Redenção.
2. O matrimônio como sacramento primordial constitui, por um lado, a figura (e, por conseguinte: a semelhança, a analogia), segundo a qual é construída a fundamental estrutura básica da nova economia da salvação e da ordem sacramental, que tem origem na gratificação esponsal que a Igreja recebe de Cristo, juntamente com todos os bens da Redenção (poder-se-ia dizer, servindo-nos das palavras iniciais da Epístola aos Efésios: “com toda a espécie de bênçãos espirituais”ii). Deste modo, o matrimônio, como sacramento primordial, é assumido e inserido na estrutura integral da nova economia sacramental, nascida da Redenção em forma, diria, de “protótipo”: é assumido e inserido quase pelas suas mesmas bases. O próprio Cristo, no colóquio com os fariseusiii, reconfirma antes de tudo a sua existência. Refletindo bem sobre esta dimensão, seria necessário concluir que todos os Sacramentos da Nova Aliança, em certo sentido, encontram no matrimônio, como sacramento primordial, o seu protótipo. Isto parece sobressair na clássica passagem citada da Epístola aos Efésios, como diremos ainda daqui a pouco.
3. Todavia, a relação do matrimônio com toda a ordem sacramental, nascida da gratificação da Igreja com os bens da Redenção, não se limita apenas à dimensão de modelo. Cristo, no seu colóquio com os fariseusiv, não só confirma a existência do matrimônio instituído desde o “princípio” pelo Criador, mas declara-o também parte integrante da nova economia sacramental, da nova ordem dos “sinais” salvíficos, que tem origem no Sacramento da Redenção, tal como a economia originária surgiu do Sacramento da Criação; e, na realidade, Cristo limita-se ao único Sacramento, que tinha sido o matrimônio instituído no estado da inocência e da justiça originais do homem, criado como varão e mulher “à imagem e semelhança de Deus”.
4. A nova economia sacramental, que é constituída com base no Sacramento da Redenção, surgindo da gratificação esponsal da Igreja por parte de Cristo, difere da economia originária. Ela, de fato, não é dirigida ao homem da justiça e da inocência originais, mas ao homem atingido pela herança do pecado original e pelo estado de pecaminosidade (status naturae lapsae). É dirigida ao homem da tríplice concupiscência, segundo as clássicas palavras da primeira Epístola de Joãov, ao homem, no qual “os desejos da carne são opostos aos do espírito, e estes aos da carne”vi, segundo a teologia (e antropologia) paulina, a que dedicamos muito espaço nas nossas precedentes reflexões.
5. Estas considerações, acompanhadas de uma aprofundada análise do significado do enunciado de Cristo no Sermão da Montanha sobre o “olhar com desejo” como “adultério no coração”, preparam para compreender o matrimônio como parte integrante da nova ordem sacramental, que tem origem no Sacramento da Redenção, ou seja, naquele “grande mistério” que, como mistério de Cristo e da Igreja, determina a sacramentalidade da Igreja mesma. Estas considerações, além disso, preparam para compreender o matrimônio como Sacramento da Nova Aliança, cuja obra salvífica está organicamente unida ao conjunto daquele ethos, que nas análises precedentes foi definido ethos da redenção. A Epístola aos Efésios exprime, a seu modo, a mesma verdade: fala, de fato, do matrimônio como sacramento “grande” num amplo contexto parenético, isto é, no contexto das exortações de caráter moral, relativas precisamente ao ethos que deve qualificar a vida dos cristãos, isto é, dos homens conscientes da eleição que se realiza em Cristo e na Igreja.
6. Neste vasto panorama das reflexões que surgem da leitura da Epístola aos Efésios (mais em particular de Ef 5, 22-33), pode-se e deve-se, por fim, tratar ainda do problema dos Sacramentos da Igreja. O citado texto aos Efésios refere-se-lhe de modo indireto e, diria, secundário, embora suficiente para que também este problema encontre lugar nas nossas considerações. Todavia, convém precisar aqui, pelo menos brevemente, o sentido que adotamos no uso do termo “sacramento”, que é significativo para as nossas considerações.
7. Até agora, de fato, servimo-nos do termo “sacramento” (em conformidade, aliás, com toda a tradição bíblico-patrística)vii num sentido mais lato do que é próprio da terminologia teológica tradicional e contemporânea, que mediante a palavra “sacramento” indica os sinais instituídos por Cristo e administrados pela Igreja, os quais exprimem e conferem a graça divina à pessoa que recebe o relativo sacramento. Neste sentido, cada um dos sete Sacramentos da Igreja é caracterizado por uma determinada ação litúrgica, constituída mediante a palavra (forma) e a específica “matéria” sacramental —segundo a difundida teoria hilemórfica proveniente de Tomás de Aquino e de toda a tradição escolástica.
8. Em relação a este significado tão circunscrito, servimo-nos nas nossas considerações de um significado mais amplo e talvez também mais antigo e mais fundamental do termo “sacramento”viii. A Epístola aos Efésios, e especialmente 5, 22-33, parece autorizar-nos de modo particular a isto. Sacramento significa aqui o mistério mesmo de Deus, que está escondido desde a eternidade, todavia não em escondimento eterno, mas sobretudo na sua mesma revelação e atuação (também: na revelação mediante a atuação). Em tal sentido, falou-se também do sacramento da criação e do Sacramento da Redenção. Com base no sacramento da criação, é necessário entender a sacramentalidade originária do matrimônio (sacramento primordial). Em seguida, com base no Sacramento da Redenção, pode-se compreender a sacramentalidade da Igreja, ou melhor, a sacramentalidade da união de Cristo com a Igreja que o Autor da Epístola aos Efésios apresenta na semelhança do matrimônio, da união esponsal do marido e da mulher. Uma análise atenta do texto demonstra que neste caso não se trata apenas de uma comparação em sentido metafórico, mas de um real renovamento (ou melhor, de uma “re-criação”, isto é, de uma nova criação) daquilo que constituía o conteúdo salvífico (em certo sentido, a “substância salvífica”) do sacramento primordial. Esta constatação tem um significado essencial, quer para esclarecer a sacramentalidade da Igreja (e a isto referem-se as palavras muito significativas do primeiro capítulo da Constituição Lumen gentium), quer também para compreender a sacramentalidade do matrimônio, entendido precisamente como Sacramento da Igreja.
i Cf. também Mc 10, 5-9.
iiEf 1, 3.
iiiMt 19, 3-9.
ivMt 19.
v 2, 16.
viGl 5, 17.
vii Cf. Leonis XIII Acta, vol. II, 1881, p. 22.
viii A este propósito, cf. O amor humano no plano divino, 92, nota B.