1. São Paulo escreve na primeira Epístola aos Tessalonicenses: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que eviteis a impureza; que cada um de vós saiba manter o seu corpo em santidade e reverência, sem se deixar levar pelas paixões luxuriosas, como fazem os gentios, que não conhecem a Deus”i. E alguns versículos depois, continua: “Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade. Quem desprezar estes preceitos, não despreza um homem, mas Deus, que vos dá o Seu Espírito Santo”ii. A estas frases do Apóstolo fizemos referência durante o nosso encontro do passado dia 14 de janeiro. Todavia, hoje retomano-las porque são particularmente importantes para o tema das nossas meditações.
2. A pureza, de que fala Paulo na primeira Epístola aos Tessalonicensesiii, manifesta-se no fato de que o homem “saiba manter o seu corpo em santidade e reverência, sem se deixar levar pelas paixões luxuriosas”. Nesta formulação, cada palavra tem um significado particular e merece, portanto, um comentário adequado.
Em primeiro lugar, a pureza é uma “capacidade”, ou seja, na linguagem tradicional da antropologia e da ética: um comportamento. E neste sentido, é virtude. Se esta aptidão, isto é, virtude leva a evitar “a impureza”, isto acontece porque o homem que a tem sabe “manter o seu corpo em santidade e reverência, sem se deixar levar pelas paixões luxuriosas”. Trata-se aqui de uma capacidade prática, que torna o homem apto a agir de determinada maneira e ao mesmo tempo a não agir de modo contrário. A pureza, para ser tal capacidade ou comportamento, deve obviamente estar radicada na vontade, no fundamento mesmo do querer e do agir consciente do homem. Tomás de Aquino, na sua doutrina sobre as virtudes, vê de modo ainda mais direto o objeto da pureza na faculdade do desejo sensitivo, que ele chama appetitus concupiscibilis. Precisamente esta faculdade deve ser, em particular, “dominada”, orientada e tornada capaz de agir de modo conforme com as virtudes, a fim de que a “pureza” possa ser atribuída ao homem. Segundo tal concepção, a pureza consiste antes de tudo em conter os impulsos do desejo sensitivo, que tem por objeto aquilo que no homem é corporal e sexual. A pureza é uma variante da virtude da temperança.
3. O texto da primeira Epístola aos Tessalonicensesiv demonstra que a virtude da pureza, na concepção de Paulo, consiste também no domínio e na superação das “paixões luxuriosas”; isto quer dizer que da sua natureza faz parte necessariamente a capacidade de conter os impulsos do desejo sensitivo, isto é a virtude da temperança. Contemporaneamente, porém, o mesmo texto paulino dirige a nossa atenção para outra função da virtude da pureza, para outra dimensão sua —poder-se-ia dizer— mais positiva que negativa. Pois bem, a função da pureza, que o Autor da Epístola parece colocar sobretudo em realce, é não só (e não tanto) a abstenção da “impureza” e daquilo que a ela conduz, portanto a abstenção de “paixões luxuriosas”, mas, ao mesmo tempo, a manutenção do próprio corpo e, indiretamente, também do corpo dos outros em “santidade e reverência”.
Estas duas funções, a “abstenção” e a “manutenção”, estão em estreita relação e são reciprocamente dependentes. Dado que, de fato, não se pode “manter o corpo em santidade e reverência”, se falta aquela abstenção “da impureza” e daquilo a que ela conduz, em conseqüência pode-se admitir que a manutenção do corpo (próprio e, indiretamente, alheio) “em santidade e reverência” confere adequado significado e valor àquela abstenção. Esta requer, de per si, a superação de alguma coisa que está no homem e que nasce espontaneamente nele como inclinação, como atrativo e também como valor que atua sobretudo no âmbito dos sentidos, mas, com muita freqüência, não sem repercussões sobre as outras dimensões da subjetividade humana, e particularmente sobre a dimensão afetivo-emotiva.
4. Considerando tudo isto, parece que a imagem paulina da virtude da pureza —imagem que emerge do confronto muito eloquente da função da “abstenção” (isto é, da temperança) com a da “manutenção do corpo em santidade e reverência”— é profundamente justa, completa e adequada. Talvez este complemento não se deva senão ao fato de que Paulo considera a pureza não só como capacidade (isto é, comportamento) das faculdades subjetivas do homem, mas, ao mesmo tempo, como concreta manifestação da vida “segundo o Espírito”, em que a capacidade humana é interiormente fecundada e enriquecida por aquilo que Paulo, na Epístola aos Gálatas 5, 22, chama “fruto do espírito”. A reverência, que nasce no homem para com tudo aquilo que é corpóreo e sexual, quer nele quer em cada outro homem, varão e mulher, demonstra-se a força mais essencial para manter o corpo “em santidade”. Para compreender a doutrina paulina sobre a pureza, é necessário entrar a fundo no significado do termo “reverência”, compreendido aqui, obviamente, como força de ordem espiritual. É precisamente esta força interior a conferir plena dimensão à pureza como virtude, isto é, como capacidade de agir em todo aquele campo em que o homem descobre, no próprio íntimo, os multíplices impulsos de “paixões luxuriosas”, a que algumas vezes, por vários motivos, cede.
5. Para compreender melhor o pensamento do Autor da primeira Epístola aos Tessalonicenses será bom ter presente ainda outro texto, que encontramos na primeira Epístola aos Coríntios. Nela, Paulo expõe a sua grande doutrina eclesiológica, segundo a qual a Igreja é o Corpo de Cristo; ele aproveita a ocasião para formular a seguinte argumentação sobre o corpo humano: “Deus dispôs os membros no corpo, cada um conforme entendeu”v; e, mais adiante: “pelo contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos é que são os mais necessários; as partes do corpo que nos parecem menos honrosas é que nós vestimos com maior reverência, e os nossos membros menos decorosos é que são tratados com maior modéstia, ao passo que os decorosos não precisam disto. Pois bem, Deus compôs o corpo, dispensando maior honra ao que dela carecia, para não haver desunião no corpo, mas para os membros terem a mesma solicitude uns com os outros”vi.
6. Embora o argumento próprio do texto em questão seja a teologia da Igreja como Corpo de Cristo, todavia, paralelamente a esta passagem, pode-se dizer que Paulo, mediante a sua grande analogia eclesiológica (que aparece noutras Epístolas, e que retomaremos a seu tempo), contribui, contemporaneamente, para aprofundar a teologia do corpo. Enquanto na primeira Epístola aos Tessalonicenses ele escreve sobre a manutenção do corpo “em santidade e reverência”, na passagem agora citada da primeira Epístola aos Coríntios quer mostrar este corpo humano, precisamente como digno de reverência ou respeito; poder-se-ia também dizer que deseja ensinar aos destinatários da sua Epístola a justa compreensão do corpo humano.
Portanto, esta descrição paulina do corpo humano na primeira Epístola aos Coríntios parece estar em estreita relação com as recomendações da primeira Epístola aos Tessalonicenses: “Que cada um de vós saiba como manter o seu corpo em santidade e reverência”vii. Este é um argumento importante, talvez o essencial, da doutrina paulina sobre a pureza.
i1Ts 4, 3-5.
ii1Ts 4, 7-8.
iii 4, 3-5.7-8.
iv 4, 3-5.
v1Cor 12, 18.
vi 12, 22-25.
vii1Ts 4, 4.