A Teologia do Corpo e a Nova Evangelização

Por Christopher West

É ilusão pensar que se pode construir uma verdadeira cultura da vida humana se não… compreendermos e vivermos a sexualidade, o amor e toda a existência de acordo com seu verdadeiro sentido e na sua íntima correlação.” Assim diz João Paulo II em O Evangelho da Vida (n. 97). O relação sexual é a rocha de fundação da própria vida humana. A família – e, por isso, a própria cultura – surge desta relação. Em resumo, como o sexo flui, assim fluem o casamento e a família. Como o casamento e a família fluem, assim flui a civilização.

Tal lógica não é bem refletida pela nossa cultura. Não é exagero dizer que a meta do século XX foi livrar-se da ética sexual cristã. Se pretendemos construir uma cultura da vida, a meta do século XXI tem que ser recuperá-la. Mas a abordagem dos velhos manuais morais não estão conquistando a opinião de nossos conhecidos, amigos e colegas. Nós precisamos de uma nova visão teológica que explique a ética sexual da Igreja de forma atraente ao nosso pensamento moderno.

Como mais e mais pessoas estão descobrindo, João Paulo II dedicou o primeiro grande projeto de catequese do seu pontificado – 129 audiências pronunciadas entre setembro de 1979 e novembro de 1984 – desenvolvendo justamente uma tal teologia: uma teologia do corpo. O resultado final é uma revolução não somente para católicos, mas para todos os cristãos e – se os cristãos absorverem-na e viverem-na – para o mundo inteiro.

O Corpo Proclama o Mistério de Deus

A teologia do corpo do Papa, fornece uma bela e enriquecedora visão do amor matrimonial e da intimidade sexual. Mas vai muito além disso. É uma profunda educação que declara o que significa ser uma pessoa humana.

Como João Paulo diz, o que aprendemos é obviamente “importante no que diz respeito ao casamento e à vocação cristã dos maridos e esposas”. De qualquer forma, “é igualmente essencial e válido para o entendimento do homem em geral: para o problema fundamental de seu entendimento e para a compreensão de sua própria existência no mundo” (15/12/1982). Por isso “esta teologia do corpo, a qual é a base do modo mais adequado de… educação (na verdade a auto-educação) do homem” (08/04/1982).

Observando as Escrituras, João Paulo demonstra que a união dos sexos fornece uma “lente” através da qual se pode ver a totalidade do plano de Deus para a humanidade. O plano infinito de Deus é “se casar” conosco (cf. Os 2,19) – para viver conosco em uma união eterna de vida e amor. E Deus queria que este “plano matrimonial” infinito fosse tão evidente e tão óbvio para nós que Ele imprimiu sua imagem em nosso próprio ser, criando-nos homem e mulher.

É por isso que o Papa fala do corpo como uma teologia – um “estudo de Deus”. O corpo, na total verdade de sua masculinidade e feminilidade, proclama o mistério divino no mundo. O que é o mistério divino? Como diz o Catecismo: “Deus revela seu segredo mais íntimo: Ele mesmo é eternamente intercâmbio de amor: Pai, Filho e Espírito Santo, e destinou-nos a participar deste intercâmbio” (C.I.C., §221).

Um dos meus alunos certa vez ouviu um colega paroquiano dizer: “Três pessoas em um só Deus… três Deuses em uma só pessoa… e daí? O que importa é nos unirmos, e vivermos como bons cristãos”. Espere aí! A Trindade é o centro de tudo em que acreditamos como cristãos. Uma vez que fomos feitos à imagem da Trindade, não podemos saber quem somos nós ou como “viver como bons cristãos” distantes da Trindade. Esta é uma verdade que diz respeito particularmente à união dos sexos.

De fato, Deus planejou a união matrimonial como uma imagem terrena de Seu próprio “intercâmbio de amor” Trinitário. É também uma “promessa” do nosso destino de participar no amor da Trindade através de Cristo. “‘Por esta razão o homem deve deixar seu pai e sua mãe e unir-se à sua esposa, e os dois devem se tornar uma só carne’. Este é um grande mistério, eu quero dizer no que se refere a Cristo e a Igreja” (Ef. 5,31-32).

É claro que a união entre os esposos é apenas uma analogia ao mistério Trinitário. Como João Paulo II nos lembra: “o mistério de Deus permanece transcendente em relação a esta analogia, como em relação a qualquer outra analogia pela qual procurarmos expressá-la em uma linguagem humana” (29/09/1982). Contudo, ao mesmo tempo o Papa diz que “não há nenhuma outra realidade humana que corresponda melhor, humanamente falando, com aquele mistério divino” (30/12/1988).

Envolve Todo o Evangelho

Compreender o corpo humano como uma teologia não deve ser interesse somente de uns poucos teólogos especializados. Deve ser interesse de todos que quiserem compreender o sentido da existência humana. Embora o enfoque seja no amor sexual, como o Papa diz, a teologia do corpo proporciona “a redescoberta do sentido da total existência, o sentido da vida” (29/10/1980).

Há uma razão pra que sejamos todos tão terrivelmente interessados em sexo e na beleza do corpo humano. Quando possuímos a pureza do olhar, tal interesse destina-se a direcionar-nos para Deus. Compreender o plano de Deus para o corpo e o sexo “diz respeito à Bíblia inteira” (13/01/1982) e nos mergulha na “perspectiva de todo o Evangelho, de todo o ensinamento, de fato, de toda a missão de Cristo” (03/12/1980).

Não há notas de rodapé na vida cristã. Como George Weigel observa em sua biografia do Papa, a teologia do corpo “possui ramificações por toda a teologia”. Além disso, “ela apenas começou a adaptar-se à teologia eclesial, à pregação e à educação religiosa. Quando isso estiver concretizado, irá compelir um comovente desenvolvimento do pensamento sobre praticamente todos os principais temas do Credo” (Witness to Hope, págs. 353, 853).

Por quê o corpo é tão importante para a teologia e para a compreensão da vida humana? Porque a nossa realidade última e definitiva é revelada através do corpo – através do Verbo tornado carne. Cristo – através de seu corpo entregue por nós – “revela totalmente o homem para si mesmo, e torna claro seu chamado supremo” (Gaudium et Spes, n. 22).

Se parece estranho falar do corpo como uma teologia, João Paulo II nos lembra que “Pelo fato de que o Verbo de Deus se tornou carne, o corpo adentrou a teologia… pela porta da frente” (02/04/1980). O mistério de Deus revelado na carne humana (teologia do corpo) – esta é a própria “lógica” do cristianismo. E esta é a lógica que precisamos trazer para nossos conhecidos, amigos e colegas em uma “nova evangelização”.

O Que é a Nova Evangelização?

João Paulo usou pela primeira vez a expressão “nova evangelização” em uma viagem para a América Latina em 1983. Desde então ele tem “incansavelmente reafirmado a urgente necessidade de uma nova evangelização” (Fides et Ratio, n. 103). Esta urgência não vem somente do fato de que nações inteiras continuam sem receber o Evangelho, mas também porque “grupos inteiros de batizados perderam o sentimento vivo da fé, ou mesmo nem se consideram mais como membros da Igreja, e vivem uma vida afastada de Cristo e de Seu Evangelho” (Redemptoris Missio, n. 86).

Por isso, um fato “novo” sobre esta evangelização é que ela está direcionada em grande parte para “batizados não-crentes”. Homens e mulheres em grande número são “culturalmente cristãos”, mas não experimentaram uma conversão de coração a Cristo e Seus ensinamentos. Um chamado à conversão interior, de fato, foi um dos principais temas do Vaticano II. Como o Concílio bem compreendeu, isto só pode acontecer através de um testemunho autêntico, motivador e evangélico de salvação através de Jesus Cristo.

Como João Paulo esclarece em sua Carta Apostólica Sobre o Início do Novo Milênio, a nova evangelização não é “uma questão de inventar um ‘novo programa’. O programa já existe: consiste no plano encontrado no Evangelho e na Tradição viva, é o mesmo de sempre” (n. 29). O que é essencial a fim de trazer o Evangelho para o mundo moderno é uma proclamação que seja “nova no ardor, nos métodos, e nas expressões” (09/03/1983).

Falando aos Bispos Americanos em 1998, o Papa observou que “a nova evangelização [envolve] um esforço vital por aproximar de um mais profundo conhecimento dos mistérios da fé e buscar uma linguagem significativa com a qual possamos convencer nossos contemporâneos que eles são chamados para a novidade da vida através do amor de Deus”. Ela é a tarefa de compartilhar com seus conhecidos, amigos e colegas, “as ‘insondáveis riquezas de Cristo’ e dar por conhecer ‘o plano do mistério oculto desde a eternidade em Deus, que criou todas as coisas’” (Ef. 3,8-9).

Mas de que forma eu poderia fazer isso?”, você pergunta. Fale sobre sexo. Que grande ponto de partida para evangelizar – todo mundo se interessa por sexo! Eu digo isso com uma ponta de humor, mas eu também estou sendo completamente sério. Se queremos tornar conhecido para os outros “o plano do mistério oculto em Deus desde a eternidade”, adivinhem – há uma imagem deste mistério estampada bem na nossa sexualidade. A teologia do corpo fornece exatamente a “linguagem significativa” de que precisamos para convencer nossos conhecidos, amigos e colegas que eles são “chamados à novidade da vida através do amor de Deus”.

Trazendo os Mistérios do Céu aqui pra Terra

Uma vez que a sabedoria do Papa é verdadeiramente compreendida (ou apresentada de uma maneira que as pessoas conseguem entender), a teologia do corpo possui uma notável capacidade de trazer os mistérios celestes aqui pra terra. Os conhecimentos do Papa “refletem verdade” porque seu ensinamento é fruto de um constante confronto da doutrina com a experiência.

Como o Santo Padre observa: “Deus vem ter conosco, servindo-Se daquilo que nos é mais familiar e mais fácil de verificar, ou seja, o nosso contexto cotidiano, fora do qual não conseguiríamos entender-nos” (Fides et Ratio, n. 12). O que nos é mais familiar? O que nos é mais fácil de verificar? O que nos é mais “cotidiano” do que nossa experiência corporal? É aí que Deus se encontra conosco – na carne. E é aí que nós precisamos nos encontrar com o mundo na nova evangelização.

O Catecismo ensina que a Igreja “em toda a sua existência e em todos os seus membros… é enviada para anunciar, testemunhar, atualizar e espalhar o mistério de comunhão com a Santíssima Trindade” (§738). Este é um bom resumo da meta essencial da evangelização. E este mistério infinito de comunhão torna-se próximo de nós, nós compreendemos que ele é parte de nós por meio das lentes da teologia do corpo. O mistério de amor e comunhão não é algo que está “lá fora” em algum lugar. Ele está “bem aqui” – estampado em nossa inteira experiência pessoal de “ser um corpo”, de ser um homem ou ser uma mulher.

Nossa criação como homem ou mulher e nosso desejo de comunhão é “o fato fundamental” da existência humana (cf. 13/02/1980). Novamente, o Evangelho se encontra conosco aqui. Como João Paulo diz, o mistério cristão não pode ser compreendido “sem que tenhamos em mente o ‘grande mistério’ envolvido na criação do ser humano como homem e mulher, e a vocação de ambos para o amor conjugal” (Carta às Famílias, n. 19).

Encarnando o Evangelho

Naquele mesmo discurso aos Bispos Americanos, João Paulo definiu a tarefa básica da evangelização como “o esforço da Igreja por proclamar para [todos os homens e mulheres] que Deus os ama, que Ele se entregou por eles em Cristo Jesus, e que Ele os convida a uma vida de amor sem fim”. Esta mensagem básica traz, em si mesma, “boas novas”. Mas ela precisa estar encarnada se os homens e mulheres quiserem procurar sua ligação com ela.

É claro que esta mensagem foi e é encarnada em Jesus Cristo. Mas por acaso você não pode prever seus amigos questionando: “O que algum homem que viveu há dois mil anos atrás tem a ver comigo?”. Como um dos meus professores costuma dizer, nós podemos proclamar que “Jesus é a resposta” até ficarmos com a cara azul. Mas se as pessoas não estiverem, primeiramente, em sintonia com o assunto, permanecemos no nível da abstração.

Aqui reside o dom de fundamentar o Evangelho no corpo. Este é o antídoto para a abstração. Ele nos enraíza no que é verdadeiramente humano – no “dia-a-dia” – e assim nos prepara para receber o que é verdadeiramente divino. Em outras palavras, ele nos coloca justamente em contato com a questão humana, abrindo assim nossos corações à resposta divina.

De certo modo… a corporalidade é a questão humana. O que significa ser um homem? O que significa ser uma mulher? Não há perguntas mais importantes a serem feitas por homens e mulheres. E note que estas são questões inerentemente sexuais, questões sobre “ser um corpo”.

O Corpo Revela a Pessoa

A verdadeira capacidade de questionar e perscrutar aponta, é claro, para nossa dimensão mais profunda, a dimensão espiritual. Mas o problema é que nossa dimensão espiritual está manifestada na nossa dimensão física. O corpo humano – ao contrário do seu gato ou peixinho – revela o mistério de uma pessoa. João Paulo descreve isto como a experiência da “solidão original”. Quando Adão nomeou os animais, ele notou que estava “sozinho”, enquanto pessoa, no mundo. Todos nós conhecemos este sentimento de “solidão” humana – de estar sozinho diante de Deus, diferentemente do resto da criação.

Este sentimento humano universal conduz à questão humana universal: Por quê eu estou aqui? Qual é o sentido da minha existência? Onde posso encontrar a resposta? No mesmo lugar onde encontramos a pergunta – em nossa experiência corporal. Se a solidão (por quê eu sou uma pessoa?) é a questão humana, comunhão é a resposta divina.

A experiência de “ser um corpo” não demonstra somente que eu estou “sozinho”, mas também que eu necessito de um(a) “ajudante”. Não é bom estar sozinho (cf. Gn 2,18). Somos destinados para o amor, para a comunhão com um “outro(a)”. E esta inclinação para o amor está inscrita bem nos nossos corpos. O corpo de um homem não faz sentido por si próprio. Nem o de uma mulher. Contemplando o “outro” na beleza da diferença sexual, nós percebemos que somos chamados a nos doarem como um presente, um para o outro. Descobrimos que o corpo possui um sentido nupcial.

O sentido nupcial do corpo é a sua “capacidade de expressar amor: precisamente aquele amor no qual a pessoa se torna um presente, uma dádiva e — por meio desta dádiva — cumpre completamente o sentido de seu ser e de sua existência” (16/01/1980). Você ouviu isso? Se vivermos de acordo com a verdade da nossa sexualidade, nós cumprimos completamente o sentido de nosso ser e de nossa existência. Conte isso pros seus conhecidos e amigos e com certeza você ganhará a atenção deles. O amor que se doa é o sentido da nossa existência. E isto está estampado bem no sentido da nossa sexualidade.

Nada disso é abstrato. Mesmo se o pecado tiver nos afastado da beleza e da pureza do plano original de Deus, você e qualquer pessoa na sua agenda telefônica conhecem a “dor” da solidão e o desejo por comunhão. Qualquer pessoa conhece a “força magnética” do desejo erótico. Este desejo básico do ser humano por união, na verdade, é o elo mais concreto que qualquer coração humano pode ter com “aquele homem que viveu há dois mil anos atrás”. Como?

O Desejo Humano Conduz a Cristo

A experiência mostra que, mesmo na mais bela relação humana, aquela “dor” da solidão não é inteiramente satisfeita. Continuamos aspirando por “algo mais”. Se o sexo realmente fosse nossa “satisfação plena”, o casamento seria o paraíso. Mas a união dos sexos, na melhor das hipóteses, é somente um vislumbre, somente um presságio, somente um “sacramento” de algo muito maior.

Por esta razão… os dois se tornam uma só carne.” Por que razão? Para revelar, proclamar e antecipar a união entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,31-32). A comunhão eterna, extática e “nupcial” com Cristo e com toda a comunhão dos santos – tão superior a qualquer coisa terrena que nós não conseguimos sequer sondar – somente ela pode satisfazer a “dor” humana da solidão. Este é o Polo Norte para o qual a força magnética do desejo erótico é orientado. Tomando emprestada uma idéia de Santo Agostinho, nós fomos feitos para a comunhão com Cristo, e nossos corações não sossegam enquanto não descansam neste enlace eterno.

Aí está a lógica do celibato “por amor ao Reino” (cf. Mt 19,12). Cristo convida alguns homens e mulheres aqui na terra a “pularem” o sacramento do matrimônio a fim de dedicarem-se inteiramente às núpcias do Cordeiro (Ap 19). Dessa forma eles dão testemunho da plena realização que nos espera. Enquanto muitos estão reclamando o fim do celibato, mais do que nunca nós precisamos do autêntico testemunho celibatário. Quando nós perdemos a eterna união de vista, inevitavelmente passamos a enxergar a imagem terrena (união sexual) como nossa realização plena. O que devia ser um “ícone” do céu, agora se torna um ídolo.

Bem-vindo ao mundo no qual vivemos. A tática do pecado é “distorcer” e “desorientar” nosso desejo pelo céu. Isso é tudo o que ele pode fazer. Quando nós compreendemos isto, nós percebemos que a confusão sexual tão predominante em nosso mundo e em nossos próprios corações, não passam do desejo humano pelo céu manifestado de forma frenética. Como G.K. Chesterton pontuou: “Cada homem que bate à porta de um prostíbulo, está buscando Deus” (Collected Works, Volume I).

O Objetivo da Nova Evangelização

O objetivo da nova evangelização não é condenar o mundo pelos seus excessos e distorções, mas ajudar as pessoas a “desentortarem-se”. Por exemplo, o típico estudante adolescente rapidamente aprende que o sentido da vida é ficar bêbado e fazer sexo desenfreadamente. “Desentorte” estas falsificações e você descobrirá dois sacramentos: a Eucaristia e o Matrimônio.

Nós queremos nos “inebriar” no novo vinho que Cristo nos dá. E onde Cristo nos deu este vinho pela primeira vez? Em uma festa de casamento (cf. Jo 2). A união dos sexos somente pode trazer-nos a alegria que procuramos, se ela refletir o amor de Cristo emanado na Eucaristia. É isto que nós realmente buscamos. Na nova evangelização, nós temos que caminhar em direção aos grupos onde as pessoas estão se embebedando ou procurando sexo ilícito e dizer: “Você sabe o que você realmente quer aqui? Você quer a Eucaristia e o Matrimônio, e a Igreja Católica tem isso pra te oferecer”.

Mais uma vez eu estou colocando uma pitada de humor. Mas de novo, também estou sendo sério. Por trás de cada pecado, por trás de cada “má ação”, há um genuíno desejo humano que pode ser realizado através de Cristo e Sua Igreja. Quando nossos desejos são “desentortados”, começamos a perceber que o que nós realmente desejamos é amor eterno e alegria. É pra isso que fomos criados. E a boa nova do Evangelho é que tal amor já foi revelado. Ele já foi nos dado gratuitamente. Como? Onde? No corpo de Cristo. É por isso que “Jesus é a resposta”.

Se o espírito do Evangelho não estiver encarnado desta forma com os desejos reais dos homens e mulheres, ele estará sempre desligado daquilo que vivemos como “essencialmente humano”. Além disso, Cristo tomou nossa carne para unir-se àquilo que é essencialmente humano. Por isso, se o Evangelho não estiver encarnado com o que é essencialmente humano, ele não será essencialmente o Evangelho de Jesus Cristo.

O Evangelho do Corpo

O “núcleo do Evangelho”, de acordo com João Paulo, “é a proclamação de um Deus vivo que está perto de nós, que nos chama para uma profunda comunhão com Ele… Esta é confirmação da inseparável conexão entre a pessoa, sua vida e sua corporalidade. Tal é a apresentação da vida humana como uma vida de relacionamento”. Como conseqüência, o Papa diz que “o sentido da vida é encontrado no ato de dar e receber amor, e nesta luz, a sexualidade e procriação humanas encontram sua verdadeira e completa significância” (Evangelium Vitae, n. 81).

Nós podemos chamar esta visão profundamente encarnada de “Evangelho do Corpo”. Em uma palavra, o Evangelho é um chamado à comunhão. É isto que almejamos e é isto que nossos corpos gritam: comunhão! Como João Paulo afirma em sua carta sobre o novo milênio: “Tornar a Igreja o lar e a escola de comunhão: eis o grande desafio que nos é apresentado no novo milênio que está começando, se desejamos ser fiéis aos planos de Deus e responder aos mais profundos anseios do mundo” (n. 43).

A nova evangelização, portanto, antes de tudo não é um apelo a princípios abstratos. Se você quiser chegar a seus conhecidos, amigos e colegas, você precisará apelar para seus mais profundos anseios por comunhão. Então, baseado em sua própria experiência, você precisa testemunhar corajosamente a verdade: que “Jesus é a resposta” para seus anseios.

Mas…”, você diz, “meus amigos e conhecidos jamais aceitarão as orientações da Igreja em matéria de sexualidade”. Isso vai depender de como você deu seu testemunho para eles.

Um Chamado para Abraçar Nossa Dignidade

O amor sexual é um reflexo da imagem do amor de Deus. A ética sexual da Igreja faz total sentido quando a compreendemos. Ela não consiste numa lista puritana de proibições. Ela é um chamado para abraçar nossa própria “dignidade”. É um chamado ao amor autêntico. Todos nós queremos isso.

Por quê, então, as pessoas rejeitam as orientações da Igreja tão prontamente? O que aconteceria se você crescesse em uma cultura onde você fosse incessantemente bombardeado com propagandas tentando lhe convencer de que o amor falsificado é o real, e a visão da Igreja fosse a falsa? Será que você não ficaria um pouco confuso?

Mas aqui está o que temos perseguido: a verdade que somos chamados a proclamar para nossos amigos e próximos já está estampada em seus corações. Ela pode estar enterrada sob camadas e mais camadas da sujeira de todas as falsificações, mas ela continua lá. Nossa função é simplesmente ajudar as pessoas a começarem a jogar fora aquelas camadas de sujeira pra que elas possam entrar em contato com seus mais profundos desejos. Nós não impomos nada às pessoas. Nós simplesmente apelamos para algo que já está nelas.

As pessoas só podem viver com falsificações por um tempo breve. Elas nunca satisfazem. De fato, elas nos machucam terrivelmente. Se você usa uma serra-elétrica para cortar seu cabelo, você poderá receber algumas escoriações, indícios de que “você não deveria ter feito aquilo”. O que quero dizer é que a verdade das orientações da Igreja sobre sexualidade é confirmada pelas feridas daqueles que não quiseram vivê-las. Nós fomos comprados com as mentiras da revolução sexual e vimos que tudo aquilo não era suficiente. É por isso que o mundo é um campo de missão, pronto para absorver a teologia do corpo. O Papa proclama uma mensagem de cura sexual, de redenção sexual. Esta é uma boa nova de grande júbilo!

Mas nós somente podemos prosseguir nesta boa nova – neste “Evangelho do corpo” – se nós formos primeiramente preenchidos e vivificados por ela. Como o Papa Paulo VI diz em sua grande encíclica sobre evangelização: “A Igreja é uma evangelizadora, mas ela começa sendo ela própria evangelizada” (n. 15). Não restam dúvidas de que, ao produzir e apresentar esta teologia do corpo, João Paulo II pretendia atingir, primeiro e principalmente, a própria Igreja.

Pouquíssimos cristãos parecem compreender que uma imagem do Evangelho está estampada em seus próprios corpos e em seu anseio por união. Inúmeros católicos têm se prendido às falsificações contemporâneas e são hostis em relação à orientação da Igreja. Por isso, a menos que a maré seja mudada dentro da própria Igreja – que a Igreja seja evangelizada antes – ela não pode evangelizar os outros.

A Analogia Esponsal e a “Analogia da Fé”

A teologia do corpo de João Paulo II fornece esperança para esta urgentemente necessária renovação dentro da Igreja. Quando nós interpretamos a mensagem do Evangelho por meio da chave da inclinação que ambos, homem e mulher, possuem para viverem em comunhão, não somente a mensagem do Evangelho toma corpo, mas mesmo o mais controverso ensinamento da Igreja – contracepção, divórcio e segunda união, homossexualidade, o sacerdócio masculino, etc., etc. – começa a fazer sentido.

A teologia esponsal demonstra de que forma todas as várias peças do quebra-cabeças do mistério cristão se encaixam com perfeita harmonia. A verdade do catolicismo surge como um “click”, quando é vista através da teologia do corpo. Em outras palavras, através da analogia esponsal nós prestamos atenção à “analogia da fé”, ou seja, à coerência que as verdades da fé possuem entre si e dentro de todo o plano da Revelação, centrado em Cristo (cf. C.I.C., §§ 90, 114 e 158).

É por isso que a teologia do corpo irá conduzir a um comovente desenvolvimento do pensamento sobre a Doutrina. É por isso que o Catecismo fala sobre a imporante conexão entre a integridade sexual, acreditando nos artigos da Doutrina, e compreendendo o mistério que professamos no Credo. Em outras palavras, o Catecismo indica a íntima conexão entre pureza de coração, amor à verdade e ortodoxia da fé (cf. §2518).

Se não for assim, como os últimos 35 anos de oposição demonstraram, o cristianismo desfaz suas costuras – sua lógica interna desmorona e virtualmente qualquer coisa que a Igreja ensina passa a ser contestada – assim que nós nos divorciamos do “grande mistério” da comunhão nupcial revelada através do corpo.

Concluindo

Se é pra “nova evangelização” ter sucesso, nós, filhos e filhas da Igreja, precisamos recuperar o senso de posse de uma mensagem urgentemente importante para a salvação do mundo. Esta mensagem é Evangelho do corpo proclamado por João Paulo II. Quão urgentemente ele é necessário! Se o futuro da humanidade passa pelo caminho do casamento e da família, podemos dizer que o futuro do casamento e da família passa pelo caminho da teologia do corpo de João Paulo II.

Simplificando: não haverá nenhuma renovação da Igreja e do mundo sem que haja antes uma renovação do casamento e da família. E não haverá nenhuma renovação do casamento e da família sem um retorno à plena verdade do plano de Deus para o corpo e para a sexualidade. Além disso, isto não irá ocorrer sem uma nova proposta teológica que demonstre forçosamente aos nossos conhecidos, amigos e colegas como a ética sexual cristã – longe da suposta lista rígida e puritana de proibições – é uma mensagem libertadora de salvação que corresponde perfeitamente aos anseios do coração humano.

É exatamente isso que a teologia do corpo de João Paulo II nos oferece. Como tal, ela nos proporciona o antídoto para a cultura da morte e um fundamento teológico para a nova evangelização. Portanto, eu apelo a você: estude a teologia do corpo do Santo Padre. Assuma a missão de compreendê-la, vivê-la e compartilhá-la com todos os teus conhecidos. Se fizermos isso, juntos, não iremos falhar na missão de renovar a face da Terra.

Tradução e revisão: Fabrício L. Ribeiro