107ª. O correto uso da linguagem do corpo é testemunho digno de verdadeiros profetas – 26/01/2983

1. O sinal do matrimônio como sacramento da Igreja é constituído sempre segundo aquela dimensão que lhe é própria desde o “princípio” e, ao mesmo tempo, é constituído sobre o fundamento do amor esponsal de Cristo e da Igreja, como a única irrepetível expressão da aliança entre “este” homem e “esta” mulher, que são ministros do matrimônio como sacramento da sua vocação e da sua vida. Ao dizer que o sinal do matrimônio como sacramento da Igreja se constitui com base na “linguagem do corpo“, servimo-nos da analogia (analogia attibutionis), que já procuramos esclarecer anteriormente. É óbvio que o corpo como tal não “fala”, mas fala o homem, relendo o que exige ser expresso precisamente com base no “corpo”, na masculinidade ou feminilidade do sujeito pessoal, melhor, com base naquilo que pode ser expresso pelo homem apenas mediante o corpo.

Neste sentido, o homem —varão ou mulher— não só fala com a linguagem do corpo, mas em certo sentido consente ao corpo falar “por ele” e da “parte dele”: diria, em seu nome e com a sua autoridade pessoal. Deste modo, também o conceito de “profetismo do corpo” parece ser fundado: o “pro-feta”, de fato, é aquele que fala “por” e “da parte de”: em nome e com a autoridade de uma pessoa.

2. Os novos esposos são conscientes disto quando, contraindo o matrimônio, instituem o seu sinal visível. Na perspectiva da vida em comum e da vocação conjugal, aquele sinal inicial, sinal originário do matrimônio como sacramento da Igreja, será continuamente completado pelo “profetismo do corpo”. Os corpos dos esposos falarão “por” e “da parte” de cada um deles, falarão no nome e com a autoridade da pessoa, de cada um das pessoas, realizando o diálogo conjugal, próprio da sua vocação e baseado na linguagem do corpo, relida a seu tempo oportuna e continuamente —e é necessário que seja relido na verdade! Os cônjuges são chamados a formar a sua vida e a sua convivência como “comunhão das pessoas” com base naquela linguagem. Dado que à linguagem corresponde um conjunto de significados, os cônjuges —através da sua conduta e comportamento, através das suas ações e gestos (“gestos de ternura”i)— são chamados a tornarem-se os autores de tais significados da “linguagem do corpo”, dos quais por conseguinte se constróem e continuamente se aprofundam o amor, a fidelidade, a honestidade conjugal e aquela união, que permanece indissolúvel até à morte.

3. O sinal do matrimônio como sacramento da Igreja é formado precisamente por aqueles significados, cujos autores são os cônjuges. Todos estes significados são iniciados e, em certo sentido, “programados” de modo sintético no consentimento matrimonial, a fim de construírem em seguida —de modo mais analítico, dia a dia— o mesmo sinal, identificando-se com ele na dimensão da vida inteira. Há um laço orgânico entre o reler na verdade o significado integral da “linguagem do corpo” e o conseqüente usar aquela linguagem na vida conjugal. Neste último âmbito, o ser humano —varão e mulher— é o autor dos significados da “linguagem do corpo”. Isto implica que esta linguagem, de que ele é autor, corresponda à verdade que foi relida. Com base na tradição bíblica, falamos aqui do “profetismo do corpo”. Se o ser humano —varão e mulher— no matrimônio (e indiretamente também em todos os âmbitos da convivência mútua) confere ao seu comportamento um significado conforme à verdade fundamental da linguagem do corpo, então também ele mesmo “está na verdade”. Caso contrário, comete engano e falsifica a linguagem do corpo.

4. Se nos colocarmos na linha prospectiva do consentimento matrimonial, que —como já dissemos— oferece aos esposos particular participação na missão profética da Igreja, transmitida por Cristo mesmo, podemos, a este propósito, servir-nos também da distinção bíblica entre profetas “verdadeiros” e profetas “falsos”. Através do matrimônio como sacramento da Igreja, o homem e a mulher são de modo explícito chamados a dar —servindo-se corretamente da “linguagem do corpo”— o testemunho do amor esponsal e procriativo, testemunho digno de “verdadeiros profetas”. Nisto consiste o significado justo e a grandeza do consentimento matrimonial no sacramento da Igreja.

5. A problemática do sinal sacramental do matrimônio tem caráter eminentemente antropológico. Construímo-la com base na antropologia teológica e, em particular, naquilo que, desde o início das presentes considerações, definimos como “teologia do corpo”. Por conseguinte, ao continuar estas análises, devemos ter sempre diante dos olhos as considerações precedentes, que se referem à análise das palavras-chaves de Cristo (dizemos “palavras-chaves” porque nos abrem —como a chave— cada uma das dimensões da antropologia teológica, especialmente da teologia do corpo). Construindo sobre esta base a análise do sinal sacramental do matrimônio, de que —mesmo depois do pecado original— são sempre participantes o homem e a mulher, como “homem histórico”, devemos recordar constantemente o fato de que aquele homem “histórico”, varão e mulher, é, ao mesmo tempo, o “homem da concupiscência”; como tal, cada homem e cada mulher entram na história da salvação e são introduzidos nela mediante o sacramento, que é sinal visível da aliança e da graça.

Portanto, no contexto das presentes reflexões sobre a estrutura sacramental do sinal do matrimônio, devemos ter em conta não só o que disse Cristo sobre a unidade e a indissolubilidade do matrimônio, fazendo referência ao “princípio”, mas também (e ainda mais) o que ele exprimiu no Sermão da Montanha, quando apelou para o “coração humano”.

i Cf. Gaudium et spes, 49.